domingo, 30 de agosto de 2009

O Sonho de Pureza na Sociedade Pós-moderna

O ideal de Pureza é um sentimento constante, que tem acompanhado a história da Humanidade desde tempos imemoriáveis. O sociólogo Polonês Zygmunt Bauman faz uma analise bastante lúcida e crucial para entendermos o que realmente é o chamado “sonho de pureza”, ou para quem preferir “ideal de pureza”. Ideal esse, que para muitos se faz pressente avançando como nunca em tempos ditos “pós-modernos”. Para o Sociólogo, “a pureza é um ideal, uma visão da condição que ainda precisa ser criada, ou da que precisa ser protegida contra as disparidades genuínas ou imaginadas”. (BAUMAN, 1998). De forma resumida, um dos meus objetivos é através da obra de Bauman, analisar as atrocidades que ainda hoje se comete em nome do “ideal de pureza”.
Podemos entender a pureza como uma visão de “ordem”, ou seja, uma situação onde cada coisa se acha em seu devido lugar. Bauman argumenta ainda “que não há nenhum meio de pensar sobre a pureza sem se ter a imagem da ordem” (BAUMAM, 1998). Dito isso, podemos compreender o ideal de pureza como uma visão higienista de história, ou seja, uma proposta que visa manter tudo aquilo que for sujo, que estiver fora de ordem distante. Ao longo da história, muitas atrocidades foram cometidas em nome desse ideal.
Talvez o melhor exemplo que temos sobre o assunto foi justamente a “Solução final Alemã”. A perseguição aos Judeus (e as demais Etnias) desencadeada pelos nazistas pode ser comparada de forma grosseira ao “dedo do artista eliminando uma mancha em seu quadro”, dito de outra forma, retirar tudo aquilo que está fora de ordem, o que causa desarmonia, o que é feio ou sujo. Nas palavras de Goebbles (ministro nazista) o extermínio de milhões de Judeus comparava-se as mãos talentosas do jardineiro que retira as ervas daninhas de seu quintal. O Judeu significava o estranho, o sujo e, assim sendo, uma ameaça à ordem e a pureza. É certo que para além dessas razões há fatores políticos e econômicos que sempre estiveram em jogo em momentos como o Holocausto.
Mas hoje em dia? Meio século após o Holocausto, como se configura essa busca pelo “ideal de pureza”? Será que ela realmente atravessou os tempos e continua em pleno século XXI? Em nosso mundo Pós-moderno, rodeado de estilos, tendências e padrões de vidas livremente concorrentes, onde o homem se vê diante de um leque de possibilidades. Possibilidades essas impulsionadas pelas leis do consumo, possibilidades ditadas para o mercado consumidor. Oras, em um mundo pós-moderno, tudo é mercadoria, e o que não é, está sendo transformado em mercadoria.O homem está entregue à própria sorte diante das várias possibilidades e sentimentos que o mundo pós-moderno consumista lhe proporciona, porém há um contra-senso nessa linha de raciocínio, a saber, o acesso a essas possibilidades está restrito a maioria das pessoas.
São inúmeros os autores que apontam o problema. As leis do mercado dividiram o mundo em dois lados distintos, os consumidores e os outros. O rastro de pobreza e destruição deixados ao longo de pelo menos dois séculos de desenvolvimento predatório se mostram praticamente irreversíveis. A exploração capitalista tem causado danos gravíssimos ao meio ambiente, provocando alterações climáticas e a morte de milhares de pessoas, nada tem sido feito a esse respeito, ou muito pouco. O modelo de desenvolvimento adotado pelas grandes potências tem como base de apoio a exploração dos menos desenvolvidos, portanto a pobreza dos países em desenvolvimento é condição sine qua nom para o progresso dos países ricos.
Mas, no entanto, alguma coisa está dando errado. A Pobreza e a miséria estão alcançando números preocupantes, principalmente ao final do século XX e inicio do século XXI. A Pobreza não tem mais região, não é mais problemas dos países ao sul do globo, ela está no centro das grandes cidades, está em Nova Iorque, estava lá, nas ondas de violência civil na França, está na ameaça presente de atentados terroristas. Esse triste quadro nos ajuda a compreender onde está o “ideal de pureza” em nossa sociedade. Tudo aquilo que está de fora do sistema econômico, o que não trabalha, o que não produz, e sobretudo, quem não consome representa a ameaça, a sujeira, o diferente o perigo. Aquilo que precisa ser eliminado urgentemente para o bem de todos. Ergue-se uma nova bandeira. A bandeira da lei e da ordem e, em nome disto todas as atrocidades poderão ser novamente legitimadas. Nils Christe, ao analisar a situação, escreve que:

Não há quaisquer limites naturais. A industria lá está. A capacidade lá está. Dois terços da população terão um padrão de vida enormemente acima de qualquer um encontrado (...) Os meios de comunicação de massa prosperam relatos sobre os crimes cometidos pelo terço restante da população. Governantes são eleitos com a promessa de manter o perigoso terço atrás das grades. (Ideal de Pureza) (CHIRSTE, 1993).

O extermínio do terço da população deixado de lado, provavelmente nunca irá acontecer a exemplo do Holocausto, exceto a parte que morre nas ruas todos os dias vitimas dessa pobreza causada pelo capital, ou as vítimas das guerras que acontecem por motivos estritamente econômicos. Outra grande parte será trancada em prisões e em manicômio (instituições totalizantes) por representarem um perigo a essa ordem e a essa lei guiadas ainda em nome desse “ideal de pureza”. Exemplos disso nossa história recente está cheia, começaremos pelo assassinato do Índio Patachó em Brasília, o massacre ocorrido no casa de detenção Carandiru, aquelas pessoas não eram nada mais do que aquilo que representava o perigo. Do ponto de vista da ordem era necessário a morte deles, ou apenas não fariam falta. Todas as chacinas que aconteceram e ficaram impunes os culpados, certamente há um motivo maior para isso.
Que outras justificativas podemos encontrar no fato de prefeituras como a de São Paulo (PSDB), estarem jogando os sem tetos para fora de prédios abandonados no centro da cidade e largando essas pessoas nas periferias? Que outro motivo teria o prefeito José Serra para cancelar praticamente todos os programas sociais da prefeitura que visavam beneficiar os moradores de ruas, e os sem tetos que habitavam edifícios abandonados, cujo os donos devem milhões em impostos à prefeitura que nunca vão pagar. Por que abandonar todas essas pessoas e devolver os prédios aos maiores devedores da prefeitura? O motivo é claro, reconstruir o centro de São Paulo apenas para as classes altas, deixando todo o resto da população apodrecendo na periferia da cidade, sem qualquer tipo de assistencialismo, completamente abandonados à própria sorte, nada de saúde, nada de educação, nem mesmo a televisão para denunciar a triste condição que essas pessoas se encontram. Uso o exemplo de São Paulo, por ser mais próximo a nós, mas não nos enganamos, políticas publicas que jogam cada vez mas os pobres para as periferias estão presentes em quase todos os lugares que ficamos atentos a isso.