terça-feira, 8 de novembro de 2011

Por que os filósofos não riem


Desde os gregos, a filosofia vê o riso e a gargalhada como atos grosseiros. Um novo livro afirma que os pensadores não deveriam se levar tão a sério

LUÍS ANTÔNIO GIRON

- (Foto: Reprodução)

"Penso, logo rio.” Tal afirmação jamais saiu da boca de um filósofo. O filólogo e pensador alemão Manfred Geier vasculhou a história da filosofia atrás da resposta para uma questão simples: por que os filósofos são tão sérios e riem tão pouco? “Ainda hoje, soltar uma gargalhada em debates filosóficos é visto como um ato grosseiro”, disse Geier a ÉPOCA. “Não deveria ser assim.” O resultado de suas investigações é o ensaio Do que riem as pessoas inteligentes? (Editora Record, 302 páginas, R$ 42,90). “Quis fazer uma excursão pela história da filosofia”, diz Geier. “Durante a jornada, perguntei: o que os filósofos pensaram sobre a graça, o humor e o riso, e em que situações eles próprios riram de determinados temas?”

Geier responde a essas perguntas com sua “pequena filosofia do riso”. Para isso, usa o método de um de seus escritores favoritos, Michel de Montaigne, que costumava dizer: “Não ensino uma teoria, mas conto histórias”. Em sua viagem, Geier pretende provar que existem pessoas inteligentes que amam o saber e não aceitam que uma boa gargalhada seja excluída das altas discussões. Geier diz que o riso foi expulso da filosofia desde o início da prática acadêmica, na Antiguidade. De acordo com ele, o grego Platão (427-347 a.C.) foi o maior responsável por banir o riso do debate filosófico. Segundo o historiador Diógenes Laércio, Platão era “tão casto e sério que ninguém jamais o vira rir muito”. Por volta de 385 a.C., ao fundar sua escola, a Academia – nome inspirado no bosque Academia, em Atenas, em homenagem ao herói Academo –, Platão desejava formar sábios virtuosos e graves. Ele menciona o riso em seus Diálogos, mas apenas para rejeitá-lo. Na República, defende o governo dos filósofos e denuncia “o malefício do prazer do riso”, indigno do homem livre. Condena a risada frouxa dos deuses, cantada por Homero e Hesíodo. Tal filosofia se baseia nos ensinamentos do mestre de Platão, Sócrates (469-399 a.C.), também ele, diz Platão, defensor da seriedade. (Embora Xenofonte, outro discípulo de Sócrates, tenha descrito o mestre como um bonachão frequentador de banquetes.)

- (Foto: Reprodução)

O maior antagonista da Academia platônica foi Demócrito (c. 470-370 a.C.), conhecido como “o filósofo que ri”. Platão odiava-o a ponto de dizer que, se pudesse, recolheria todos os seus livros para queimá-los. Restaram apenas 300 fragmentos de Demócrito. Ele opunha o idealismo platônico a uma teoria materialista, o atomismo, cuja primeira lei é: “A origem de tudo são os átomos e o vazio; todo o resto não passa de opinião oscilante”. Demócrito afirma que, dado o vazio, o objetivo da vida está em preencher a alma com alegria. O caminho para sua realização é rir de tudo, de todos e de si próprio. Demócrito não fez escola, embora Aristóteles (384-322 a.C.) tenha partido de suas ideias para descrever o funcionamento físico do riso e sua relação com a comédia. Para Aristóteles, o riso é apaziguador, pois funciona como uma válvula de escape para as paixões.

Diógenes (c. 410-323 a.C) foi o último dos pensadores gregos a fazer a apologia do riso. Para ele, o riso é sarcástico e destruidor. Era chamado de cínico porque vivia com um cão (kynos, em grego, de onde vem “cinismo”) numa barrica, desprezando os bens materiais. Para o filósofo contemporâneo Peter Sloterdijk, a arma de Diógenes “não é tanto a análise, e mais a risada”. O prazer de viver, dizia Diógenes, é obtido pelo conhecimento das coisas necessárias, não pela posse. Uma anedota da Antiguidade conta que ele se encontrou com Alexandre, o Grande. O imperador se aproximou do filósofo, deitado ao ar livre, e, jogando sombra sobre ele, disse: “Pede-me o que quiseres”. Ao que Diógenes respondeu: “Devolve meu sol”.

Para encontrar eco das ideias de Demócrito em tempos recentes, diz Geier, é necessário visitar as “correntes subterrâneas da história da filosofia”. Somente no século XVIII, o riso passou por uma reabilitação, embora parcial. E as zombarias de Diógenes só foram redimidas por autores iluministas, como Christoph Martin Wieland (1733-1813) e Immanuel Kant (1724-1804). Wieland adotou Diógenes como modelo, “forasteiro desgrenhado”, ansioso por liberdade e dono de um humor iconoclasta. Na Crítica do juízo (1790), Kant retomou a fisiologia do riso, esboçada por Demócrito e Aristóteles. “A energia vital promovida no corpo, a paixão que movimenta as vísceras e o diafragma, dando a sensação de saúde (...) constituem o prazer que se tem em poder tocar o corpo através da alma e usar esta como médico do corpo”, disse Kant.

O que os filósofos pensam hoje sobre o riso vem dessa tradição. Geier divide as visões atuais em três vertentes. A primeira, tradicional, afirma que o riso é a expressão dos sentimentos de superioridade de quem ri sobre as outras pessoas. Poderia ser chamada de esnobismo. Há a vertente da “teoria da incongruência”, a mais popular. Ela diz que o mundo está tão cheio de contradições e absurdos que há sempre um motivo para dar risadas. Por fim, há a teoria do alívio, formulada por Herbert Spencer, fundador da psicanálise. Ele chamou a atenção para o poder terapêutico da risada. O próprio pai da medicina, Hipócrates, dizia que rir faz bem à saúde, embora não achasse muito saudável o riso exagerado de Demócrito. “O riso é a válvula de escape dos excessos de energia nervosa”, diz Geier. “Ele alivia a tensão nervosa.”

O que afinal significa o riso e para que ele serve em nossa vida? É um ato de reflexão ou esnobismo estúpido? Tem mesmo poder de curar? As três correntes de pensamento ensinam sobre o ato de pensar e sobre a vida diária. “Quando você lê sobre o que fez os filósofos rir, aprende sobre as contradições e as ambiguidades da vida”, afirma Geier. “Essas mudanças de estado psicológico provocam risadas e bem-estar, aos acadêmicos e às pessoas comuns.” Quem ri, inevitavelmente, filosofa.

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